

Poema
Comboiopoema
(em construção)
Se pudesse dizê-lo de outra forma certamente que o faria
1.
Anos passaram por mim
comboio apressado
incerto rumo no tempo
estação
desajustada
em meio à árida planície
plana
imensa
com lábios em chama
que queimam
e me afastam da chama
atraindo um beijo desencontrado
que arde sem fogo
na luz
que me aproxima do fogo.
E mesmo se gela lá fora
não tem importância aqui
entre tanto cheiro de aço
que se desprende dos carris.
2.
O calor derrete o polo norte
o mesmo calor que gelou
tanta indecisão
este calor gelado que ainda poderia existir em mim
derretido
de coração aberto a ti
dentro de mim
glacial
vulcânico
servido à mesa pelas engenheiras
da central elétrica
que um dia
fizeram bater artificialmente este meu coração.
Agora e Aqui
sempre presente e distante
porque o sol está hoje como o sol é
porque as palavras são só palavras
só palavras nuas de destino
e a música que escuto
que por mais linda e
culturalmente
corretamente aceitável
não é nada
comparada
com a melodia que quero ouvir
numa exigência de vida
desde os inúmeros anos que passaram
em que parti
desligado de mim
para encontrar o caminho para a estação do comboio noturno onde
os sonhos se confundem com mulheres…
Nestes anos todos em que parti e em que
sozinho
no meio do nada
escrevi
um poema de mim:
um COMBOIOPOEMA (em construção)!
3.
Olhando para trás na história do mundo hoje onde vivi
sorrateiro e confuso de esperança
sinónimo saudades feitas
de lenços brancos
na torre dos soluços
frente à estação central em Amesterdão
pior ainda que o fado em soluços
canções do Jordão
em Amesterdão
cantam em pranto
silencioso
o outro fado esquecido
dos marinheiros.
Passeando-me
no desacerto das ruas
ainda hoje lá estás presente e curvado
sem abrigo
na memória do tempo que se não desamemora
uma bala espetada no teu rosto em Amesterdão
sentado no chão encostado ao muro deserto
no bairro mais psicadélico da cidade
constante presente no agora
um tiro na testa e um polícia meio sorridente
apontando-nos o outro lado do passeio
como se a vida passasse ao nosso lado.
São forças que nos ameaçam
nos roubam a esperança
fazem despertar a noite
arrebatam a luz do sol
num fim de ciclo que só pode ter fim
dando à luz novas existências
nas estações chegada-partida
de uma primavera repleta
de linhas abandonadas e ferrugentas
que têm tudo
menos ser primavera
e nos dizem
que é urgente a luz.
Mas hoje
dou um beijo que vai daqui ao céu
perdoando-me todos os pecados do mundo
abraçando-me
neste fim do mundo
que começa na estação de partida
onde todos os comboios têm a sua origem
à esquina do conhecido café do bairro
onde o jazz à segunda feira não faz sentido.
Digam-me então
quem viu por aí o comboiopoema (em construção)
sozinho perdido no meio do nada
numa espécie de beijo…
desencontrado no tempo…
A mala de despedida luxuosamente aviada
perdoando-me todos os pecados
tu assim em mim
num sussurro de vida
escuridão
túnel
transe
entre o despertar da aurora
hoje celebrando o fim do mundo
no dia em que foi escrito o apocalipse pelos desacreditados da terra
no livro vazio dos eruditos
escritos no tinteiro que
romanticamente
escrevemos
e reescrevemos
com a tinta que faz rasgar as nuvens e faz descer sobre nós
romântica e pateticamente
a nuvem descolorida do arco íris
descobrindo-me entre as penumbras de mim no comboio vazio
na estação à espera.
Todos os poetas têm isso dentro de si que já não há anos séculos no pó dos tempos
na pretensão de escrever o poema como se fosse o único que vale a pena ser vivido e ser descrito com a tinta barroca das nossas lágrimas descobrindo-se nas penumbras onde são dados os escassos beijos onde a terra sôfrega abre os braços para acolher o ciclo da vida e da morte de orquídeas que não estão em estado de dar à luz e de repente surgidos das mais profundas brumas dos pesadelos memórias infância sonhos desfeitos em suores gritando gritando:
QUEM ÉS TU?
4.
Sou eu então o que faço há anos
e abro os braços
e ponho na boca a flauta que não tem som.
Fazendo o que não fazia há anos
Adormecido
escritor
à procura do que não foi escrito em transe
porque é hora de escrever o único poema vida
na hora onde se descobrem as estações
e onde os comboios adormecem
à sombra da ferrugem
esperando o novo chefe de estação.
Vinda das brumas num eco de silêncios
bocas desdentadas no dantesco
das ruínas
do ferro deixado ali ao sabor do tempo apocalíptico
na estação de Viana caída em desuso
de onde antes se saía de carroça
e o chicote soava batendo a mula
sob o sol tórrido
na planície alentejana.
Descalço-me então entre o cheiro das peúgas
e ponho no chão a toalha onde se vêm ainda as marcas do sangue
de cravos regados no meu corpo.
E debaixo do sobreiro no incêndio do branco das casas
vemos todos a revelação de uma sombra e eu pergunto-me
se és tu
a princesa inexistente saída das brumas
da memória infância onde no meu sangue
foi gravado o escaravelho que (ainda hoje) me acompanha na vida
possivelmente princesa de todos os sorrisos
fada de todas as crianças
desejo escondido da terra
cúmplice e causadora de ciclos repetidos
que desencadeias guerras
e acordas cada criança
criando um dilema de paz e ódio e queixume e perdão e desalento esperança
causando inquietude
segredo oculto deixado para trás no silêncio da estação vazia
e emergindo agora de repente
para acender o fascínio
das questões não respondidas
no segredo por trás de todas as igrejas
a manter o mito em que o mito tem como única razão ser mito
para fazer suar os ceifeiros e as ceifeiras
que inexplicavelmente procuram que a terra se milagre
e os sedentos ficam à espera
que nasça uma flor espontânea num caminho
terra batida terra cruel terra mãe terra abençoada
onde afinal a única coisa ouvida
era o chicotear da mula.
Nunca tinha sentido este desejo tão intenso
de escrever uma declaração de amor
apesar de ter já encontrado o comboio
em diversos apeadeiros.
E já agora:
Quem viu por aí o comboiopoema sozinho perdido no meio do nada?
Em construção.
5.
Sê livre então pega num martelo e quebra as janelas que ainda restam inteiras no teu comboio! Afasta os fantasmas! Dorme possesso dos meus espíritos. Que toque a banda e seja celebrado o ritual com uma galinha branca. Que se erga a bandeira. Que se fume o espírito saído das pedras que por aí se espalham. Enterra a tua mão transparente e fria no meu peito e arranca de mim o coração cego das planícies desertas no desalentejo árido. Que se faça finalmente dia. Que se possa respirar e celebrar o vento e as estrelas em cada célula das tuas folhas. Envolvidos no vulcão dos séculos continentes desaparecidos e mil crianças acabadas de nascer.
Porque é tempo de montar os cavalos selvagens que cantei na minha infância
e vejo agora iluminando as pupilas no teu rosto estátua arte preconcebida no
começo qual começo agarrando agora no meu punho fechado
libertando o pássaro no punho fechado
para podermos finalmente sorrir juntos
o sorriso das infinitas madrugadas no eterno céu
diabolicamente estrelado
contando-nos histórias para nos adormecer no tempo o segredo de uma eternidade
conceptual e azul
azul sem mais nada
sem significado ou
tendo como único significado ser azul e mais nada
deixada ali
esquecida
na estação de comboios mais esquecida do mundo
reduzida a ferro lata aço derretido na planície árida
no deserto das civilizações
que povoam os nossos peitos desumanizados
pelo anticristo.
Mas sempre esperando o olhar
que reconheça
a sua verdadeira natureza humana
pois o diabo pode tomar conta da terra
mas não toma conta do meu coração.
Pode dizer-me, se faz favor: a que horas passa o comboio que já passou?
Porque quero não quero ser teu por quantos dias
na certeza incerta dos amanhãs que se repetiram
sem tempo
nos armários vazios
à porta dos diversos eus
assombrados
possuídos
libertos
levando nas mãos a chama que inevitavelmente
se apagará um dia
como os comboios de lata na caixa de brinquedos
no caixote do lixo
junto à boneca mimada desfigurada
sem olhos
descosida
jazendo sem se importar que os comboios passem ou não
e a maré seja alta ou baixa
ou galgue a muralha
para descarrilar os carris já fora do sítio
esperançados
na mão divina indiferente às lágrimas que se derramam por entre as rochas e as árvores e a lama…
nestes anos que passaram por mim
num comboio apressado
rumo à estação abandonada
quente desajustada
naquela planície de que já te não lembras
e
onde os tigres se riem às gargalhadas.
Mas
Por entre toda a mentira e corrupção
haverá sempre uma voz que se levanta e diz
que a vida é luz.
Estando aqui
sendo teu
não sei por quantos dias
nesta viagem incansável
no comboio parado da madrugada
fazendo contas às horas
que a incerteza
nos traz
quando nos beijamos
numa noite ao acaso
mãos nas mãos presas num sorriso
sendo teu
sem sequer isso ter importância
nas inúmeras horas
que leva a escrever um rio.
Num dia sem conceitos
nem prejuízos.
Num dia assim sem mais nada
sem ganhos nem perdas
e sem pedidos de desculpa.
Sem certezas
sem indecisões
sem perguntas que nunca poderiam ser respondidas
porque é assim quando um comboio passa
descarrile ele ou não.
Porque hoje
nem tu sequer tens a importância
da importância que te dou.
Solitário
no único dia da sinceridade
não sei por quantas feiras de sábado à segunda da semana que vem.
Sem conceitos.
Sem ontem nem amanhã
debaixo do sobreiro
ouvindo ao longe
o mesmo chicotear na diligência
e as rodas madeira e ferro no eco da planície vermelha.
Afinal somos hoje a comunhão anunciada
pelos meus cavalos selvagens da adolescência
quando à porta da taberna
presenciava o mundo
sem pôr o pé de fora
observando a tia Alice dos caracóis
na taberna do outro lado da rua das escolas gerais à porta de Alfama.
Digam-me entretanto:
Quem viu por aí o comboiopoema sozinho perdido no meio do nada?
O comboio que nos leva à cidade
que todos procuram.
6.
As andorinhas trazem-nos as boas novas
e abraçam-nos
enquanto damos o beijo que deu origem à vida
fazendo nascer no universo
sussurros no mundo
nações a crescer debaixo da dor horrível da trovoada
onde há ouvidos por descobrir
e esboços de imagens projetadas no mar das sensações
que dão sentido à vida.
É o caleidoscópio
onde está tudo em aberto e não há chão
onde tudo é possível
na virgindade do cosmos.
7.
Sinto a confusão no teu ventre gritos vindos da mãe universal
onde raças se cruzam há séculos
e há candelabros mortos dando luz afinal
no meio das estradas onde a sede
se desprende das lanternas mágicas produzindo sombras
nas paredes nuas da voracidade dos homens
seguidores de raciocínios
doa que querem salvar o mundo com seus conceitos analíticos.
É como se nascesse eterna e repetidamente o mesmo dia por nascer
surgido e bebido sôfrego silencioso
pelo bebé inocente
no dia nascido
eternamente por nascer
repetido ontem como amanhã
como se a vida fosse simplesmente
uma repetição do mesmo
e o comboio andasse como no meu sótão de infância
num círculo
eternamente à volta de si mesmo…
Lendo os jornais sobre a guerra do dia em que nasci.
E repetindo eternamente
o mesmo beijo
feito de fascínio.
Segundo a segundo
repetindo o repetido movimento
das estrelas
perpetuamente
independente
das decisões
dos homens
comprovadas
laboratorialmente
como tomada de consciência
do que já tinha inúmeras vezes
repetidamente
sido decidido
segundo a segundo
perpetuamente
na magia dos processos inconscientes
que determinam a amargura
a paixão incontrolada
deste desejo escondido de nascer
como a semente
desraciocinada
que teima em crescer
para desabrochar
na beira da estrada
ao lado do caixote do lixo dando cheiro à terra
onde a magia foi descaradamente posta a descoberto
no dia em que me senti
apedrejado
pela violação da minha inocência
decidi cantar o comboiopoema (em construção)
chegar à estação e com a flauta mágica
dar de beber às cerejas.
Para mim já não há tempo de verbo.
O que existe nunca foi.
E o que foi é repetido em silêncio ressoando verdade desafiando a terra dos insinceros.
Resumindo a perpetuidade do encontro
repetido encontro
jamais encontrado num beijo sem lábios
sabiamente escondido dos filósofos
para propositadamente enganar
a compreensão dos aparentemente sábios.
Num campo em que tudo está presente
sem mim nem ti
com os egos e as almas presentes
num tudo sem eu nem ti
de mãos dadas acarinhando os catos à beira das encruzilhadas
onde os lobos atentos
te mostram os dentes atrativo dos seus desejos
e nós misticamente fluímos juntos entre os intervalos da chuva.
8.
De mãos dadas
finalmente
bebendo dos rios
à beira do oceano da vida
saboreando a exuberância
de mãos dadas
agradecidos pela existência do pecado.
Todos os comboios podem içar hoje
as suas bandeiras
como todos os homens podem gritar hoje os seus horrores
ou derreterem-se no mel
da contemplação
mas todos todos sem exceção
gritarão
indiscutivelmente agitados e testemunhando gratidão e
sem a complacência das ovelhas tresmalhadas ou não
gritarão
gritarão
que o pecado é a razão da vida!
É que sem pecado
nenhum poema teria sido escrito
e a vida seria uma desilusão.
É que sem pecado nem sol nem lua
inóspito
inabitável
nem crente nem descrente
só insipidez
talvez um poema socialmente correto
digno de louvor pelo ministério
com direito a prémio
e citado pelo presidente da república dos coelhos
aplaudido pelas raposas na assembleia
acusando as flores que crescem espontaneamente aos lados por toda a parte no centro dos caminhos transformando inóspitos desertos em palpites
desconcertantes palavras de amor num mundo atónito
em que os abraços passaram a razão de ser
tiradas despoetizadas de Camões e acusando
a oportunidade
desperdiçada
dos capitães
fazerem calar
de uma vez para sempre
aquela história desgostosa dos canhões contra os canhões
para construir um novo país
digno de um novo hino nacional.
9.
Agradeçamos à deusa então
a ordem de amar
a criação
do pecado
num beijo
sem limitações
na praça pública
transformando a inóspita paisagem do reclame
em ponto de encontro
cantando o hino dos hinos
que o novo comboio traz na hora exata da chegada à estação da ressurreição
debaixo do olhar atento
dos planetas que espreitam
aconchegados na almofada
debaixo do céu que nos canta o novo hino
que finalmente fez calar o bélico heróis do mar
e a chamada às armas
sob o olhar embasbacado
do presidente.
De mãos dadas nas escadas dos patamares observando o ódio das catedrais-inferno feitas de testemunhos falsos vergonhosamente moribundas e em coma a fazerem-se de vivas.
E ainda por cima
E ainda por cima
Apelidando-se nas enciclopédias o título de civilização!
10.
Admirem-se admirem-se admirem-se admirem-se:
– no mais escondido dos hotéis soa estrondosamente o grito da “guerrilha”.
É cantado o novo hino das infernais catedrais agora transformadas
cercados pelas tais flores que misteriosamente brotavam nos passeios
por onde passávamos fugitivos de amor à primeira vista
num bar de hotel barato e de mãos dadas
onde pisamos o chão com nossos pés inocentes
no dia em que o pecado é virtude
e onde os anjos nos apontam o caminho
rebelando as regras e cantando a vida que nos foi dada para viver pelo aparente Satanás
das paixões arrebatadas
calor de fornos que nos adormecem transe paraíso enquanto as cataratas se espalham no rio
abraçando o nosso desejo de plenitude
diferentemente expostos de peitos abertos
saudando o novo chefe da estação.
Sempre presente anunciando a liberdade
onde cada metáfora revela o desejo das veias
passeando nos contornos das ruelas onde a glicerina das velas deixa um cheiro de saudade
e onde à meia-noite do ano 2000 e tal
naquela noite
saía da taberna um fado ébrio.
Toma o comboio sem saber que vai a parte nenhuma
sê livre sê livre sê livre agora
das palavras que sempre te ensinaram
enquanto estavas amarrada amordaçada violada no banco da escola
atira fora da janela
os livros que te fizeram engolir
a mentira da história
e as lições da tabuada que te açoitaram nas tuas mãos em sangue de palmoadas
à vista das masmorras sem pudor
acurraladas aos cofres acumulados
sem vergonha
pelos senhores diretores do mundo uns tantos e tal
em cima dos seus cavalos amaldiçoando os biliões de escravos
dia a dia violados.
Sê livre agora e parte para nenhuma parte não há parte alguma
e mesmo que fiques aqui vendo o comboio sem destino
sei que ergues a bandeira
e que sob o escárnio geral
o teu coração é LIVRE agora.
Porque eles acreditam na mentira.
Não vás na conversa
sê livre meu amor.
E quem viu por aí o comboio poema sozinho perdido no meio do nada?
Em construção!
Espalhem por toda a parte: chegámos aqui agora.
Obrigado Paul Eluard: La nuit n’est jamais complète
“La nuit n’est jamais complète
Il y a toujours puisque je le dis
Puisque je l’affirme
Au bout du chagrin une fenêtre ouverte
Une fenêtre éclairée
Il y a toujours un rêve qui veille
Désir à combler faim à satisfaire
Un cœur généreux
Une main tendue une main ouverte
Des yeux attentifs
Une vie: la vie à se partager.”
11.
Sobre aquelas coisas que nos dizem disseram
foram ditas e gravadas
se repetem
trapalhices fato elegante gravata
nem me quero lembrar
o lenço em triângulo no bolsinho direito ou esquerdo? do fatinho chique
que me não quero lembrar lenço branco lenço banco
diz adeus ao mar
esquece os que seriamente apregoam as mesmas causas efeitos e princípios
todas aquelas coisas que nos dizem disseram
sobre o amor e sobre a realidade
partidária e
nós infelizmente acreditámos nela ó mãe justiça
que nunca nada fez pelos injustiçados
e nós nesta senda dos monumentos onde é pregada a balança da mentira
lobos e astutos nos servis da cumplicidade
wall street à descarada
e ficar assim reduzidos à nossa identidade
feita construída unificada edificada
sobre os pilares da mentira na aldeia global.
Se há uma mentira acredita só na tua.
Impostora dá-me então a tua mentira
juntando os teus lábios aos meus lábios
sorrindo da crença socialmente correta
escarnecendo o princípio correto de vida
que me foi ensinado pelos acionistas
na bolsa dos investimentos desnecessários
elevando agora
a nossa bandeira
e levando
na carruagem da frente do nosso comboio
o grito embandeirado do nosso único terrorismo
rebelião intensa
desejo de significado amor encontro
não manipulado e livre
o grande bastião contra o fundamentalismo
contra a exploração
contra o controlo
contra o extermínio
contra a exploração faminta…
contra a guerra e ao abandono…
E elevando em júbilo a minha voz
orgulhando para que se orgulhem
todos aqueles que voltaram as costas às eleições
e decidiram que as votações feitas de propaganda escárnio e manipulação e desrespeito
por muito chamados democratas
são um atentado à violação dos direitos humanos.
É que todos mais uma vez querem conquistar o teu voto minha querida para depois da eleição mais uma vez entenderes no âmago da tua alma que mais uma vez te deixaram sozinha esfomeada na desolação de significados contribuindo para a egoidolatria
cabeça em diarreia assembleias da publicidade sem povo sem dignidade
sem história
onde está o ser humano vivo livre universal o canto do rouxinol?
Todos querem conquistar o teu voto e a consequência é que
estás sozinha meu amor e quanto mais apoiares e votares
mais sozinha estarás meu amor
ao sabor dos lobos que se aproveitam dos teus cêntimos e da tua dignidade humana.
É esta a Terra esperando o calor da tua dimensão
É esta a Terra esperando a tua palavra sorriso canto de esperança
espalhando a bandeira da empatia
transformando o deserto num oásis
feito de coração e bondade e respeito e paz e ternura.
13.
Há aparentes palavras de liberdade que nos roubaram
Que nunca corresponderão às palavras que pronunciámos
como não há lábios iguais aos teus lábios
nem seios que se deixem acariciar
com a doçura de mãos aconchegadas ao teu calor.
Sê então livre dos poemas
venenosos
escritos no mundo
em nome do amor
onde mulheres são apedrejadas
quando ousam entregar a sua alma
fora dos círculos poderosos dos machistas descendente de um deus
que construiu uma Eva feita de pedaços de homem
e por isso é submissa leal escrava servidora
embora tenham para isso
nos tribunais
uma assinatura do profeta.
14.
Por favor senhor chefe de estação:
o ar aqui está saturado!
Faça, por favor, o comboio partir!
embora não saibamos
nenhum de nós qual é a estação de destino!
15.
De repente o comboio fantasma disparou e no mesmo momento chegou à estação de partida onde o esperava a rainha do mundo
mulher mãe e sacerdotisa
querendo fazer arder a chama nos seus filhos
para iluminar o túnel de modo a que o comboio possa ver o caminho
pois só ela está em estado de fazer isso
pois só ela tem a capacidade de ser mãe
ser mulher
e empunhar o cetro que os patriarcas durante milénios empunharam nas suas mãos
gritando sê livre sê livre para que nos amemos na tua liberdade
venerando o ventre da vida e
observando o nascer e o pôr do sol nas tuas luas
influenciando as marés e abraçando os poetas
livre e eterna sempre tu eterna e cósmica procriando primaveras
no teu lugar presente central na tribuna do mundo
E ISTO
enquanto o teu marido declara a guerra a fome e a insegurança às crianças já pálidas
enquanto tu te recrias para espelhares as estrelas nos teus cabelos
enquanto nas bermas nos passeios nas estradas de um outro mundo
o comboio entra de novo nos carris
espalhando a sensação inebriante do calor do sangue que corre nas tuas veias do SIGNIFICADO
sensação inebriante acompanhando o eco dos teus passos
poetisa de todos os poemas que terão de ser escritos
naquele dia em que me ofereceste o escaravelho
entre a canção das bruxas que se juntaram na encruzilhada para cantarem o dom que pertence ao primogénito
entre os países do mundo que percorri
no comboio fantasma agarrando a sombra do fumo saído das caldeiras
fugazmente trocando olhares
nas ruelas que tu bem conheceste
quando atiraste a corda para que as crianças pálidas se agarrassem e
subissem as paredes do poço
rumo à liberdade enriquecendo os terrenos áridos das almas e
fazendo crescer no teu colo
(empregando aqui um poema banal:)
– as novas flores da vida!
sem que tu mesma te tenhas apercebido da tua força natural
independente e livre de tudo o que os bisavós contaram aos teus avós e que os teus pais repetiram de parecido com aquelas coisas que nos dizem
e por vezes ferem
e nos abrem afinal o apetite de oxigénio.
Obrigado às sombras e
obrigado por teres dado autorização para semear nestes jardins a primavera
abraçando a noite estrelada e fazendo diluir-se no ácido
aquela literatura mais clássica
que fizeram engolir aos sapos naquela noite sem escolhas
naquele escondido recôndito em que proteges
a tua sublimidade.
16.
Quando se apagaram as trevas do mundo amanhã
há um batuque mágico no meu coração despedranizado
com um sorriso à espreita na encruzilhada por onde o comboio não passa
dando continuidade à vida
numa encruzilhada como se não visse
o teu sorriso de mãe arquétipa à espreita
esperando contribuindo em conexão
que se apaguem as trevas do mundo
enquanto oiço na minha escuta dentro de mim
o batuque mágico do teu coração
enchendo de empatia nos meus dedos
o beijo incógnito das estrelas
como se agora de repente aqui
houvesse finalmente
o encontro definitivo dos sóis
para os quais vivi
universos nascentes
preenchidos
com células de vida
que só serão compreendidas
nas profundezas do encontro
na estação insegura
na encruzilhada dos teus cabelos entrançados
enquanto o inspetor confirma
a legalidade da nossa autorização de existir
estamos aqui
sentindo o frio do vazio do mundo
ao mesmo tempo que os esquilos nos veem acompanhar na celebração
dos amanheceres
nas auroras de infâncias
perpetuamente
rejuvenescidas.
Por isso gosto adoro as flores selvagens que crescem anarquicamente nos meus teus jardins sem vergonha
preenchendo de espanto os meus olhos sequiosos dos teus seios onde os pássaros fazem os ninhos das repetidas melodias da mesma primavera eterna.
Eh por onde parará agora por esta hora o combóiopoema?
17.
Estou aqui perante o teu riso mistério
aquele riso intenso
o riso que as polícias e os exércitos temem
o riso que simplesmente fará sorrir os mais sisudos
e daí a minha esperança!!!
Gosto da terra
pronunciada pelos teus lábios
leva-me contigo na tua área
sobretudo para ir ao encontro
das loucuras imprevisíveis do inesperado
onde o espanto é rei supremo
e em que
por instantes
sou príncipe encantado
no teu meu palácio mais fechado…
saboreando
o fruto amadurecido
dos milhares de arco íris agora coloridos
que as deusas construíram
para dar ainda mais significado ao amor.
Deixa-me ir a passear contigo
nas gôndolas do silêncio
às portas do paraíso
onde cada beijo é sempre o primeiro
como se o mundo fosse unicamente feito de inocência…
Deixa que o comboio siga o seu caminho
para que o poema se prolongue
nas ruas do infinito meu teu destino…
Porque te pertenço
porque me nunca te pertenci
redescobrindo a vida
nas tuas minhas indecisões
que são afinal o rascunho de mim.
18.
Sabes porque sou teu dono de mim pertencendo-te?
Porque
porque descubro e redescubro a indecisão
que são rascunhos de mim e
rascunhos de ti
na sebenta que há muito deixei para trás
nos bancos da necessária escola das imperfeições
redescobrindo os sonhos que me construí um dia
simultaneamente quando me diziam:
– que eram simplesmente ilusões!
E quando me afirmei
naquele dia em que se despenharam sobre mim os arranha-céus
na ânsia inquietante manipulativa transcendente feita de generais
lendo-me o livro das ilusões
como sendo o significado da vida com sede em Wall Street
e com todos aqueles escombros sobre as minhas costas enfraquecidas
de repente
senti falta de ar
e só mais tarde descobri que era ar a mais o ar que o presidente nunca poderia entender enquanto não despisse a sua armadura de presidente:
gritei não gritei pus-me a um canto observando de olhos fechados o descalabro a que a coisa chegou
a miséria a exploração a pobreza a fome a perversão
desde então fugindo da polícia e dos generais e dos presidentes
até que eles passaram ao meu lado como história do martírio universal
ao mesmo tempo que me empenhei
no empenho de redescobrir a vida
nas camadas mais profundas de mim
em que o Ser se perde nas fronteiras e se encontra
no Segredo da História e então
no fundo da esquina
num beco de Alfama
a canção da Rosa o fado a saudade revelando
que não há um eu sem tu
que não há um tu sem eu
e que a resposta só pode ser encontrada na desgarrada
ao fim da noite de fados
na encruzilhada da história mal descrita
dos opressores
e, infelizmente, enfrentando a coragem e um desrespeito saudável!
Obrigado, obrigado, não aceito as vossas palmas
porque foram os teus olhos infinitos
que me ajudaram a chegar aqui.
Não há um mim sem ti
não há um cerne de mim que seja apagado pelas tuas loucuras e tonturas do desperdício e crime climático que irá fazer sôfregos os meus trinetos mesmo que para isso construas sobre mim as teias dos aparentes progressistas da terra destruída nem tu poderás no fim de contas continuar nas tuas transgressões esquecido das palavras que por mim foram pronunciadas um dia em que se falou de ecologia
porque eu não sou só eu
eu sou tu
sou o mundo
sou o passado
sou as energias arquétipas que me trouxeram aqui
sou a consciência em mim e a consciência de ti
sou a consciência que foi atraiçoada.
Levo isso comigo com o eu e a minha alma
no comboiopoema
na carruagem dos sinceros
espalhando pétalas
e palavras profundas de afeição
levo toda a história
fim do mundo
começo do mundo
primeira e última estação
canal aberto
túnel desimpedido
bandeirola levantada
um chefe de estação com esperança
um relógio que assinala uma hora esperada
um apito que diz:
– é por aqui
embora saiba
que nunca venha a conhecer o ponto de chegada.
(este poema, por agora, ainda não tem fim e, como na vida, está continuamente a ser reescrito)
J.F.